Navegar é preciso, inovar não é preciso

Parafraseei essa famosa citação para ilustrar um grande equívoco que ocorre nas áreas de inovação das empresas. É impressionante como conseguimos desconstruir todo o valor existente em qualquer coisa quando usamos conhecimento raso, pouca reflexão e quase nenhuma inteligência. Ou seja, quase sempre.

Qualquer brasileiro com alguma formação literária moderna reconhece a frase: “navegar é preciso, viver não é preciso”. Os mais letrados, ou googlados, rapidamente vinculam a genialidade do escritor português Fernando Pessoa e lascam a tradicional interpretação segundo a qual é mais importante o caminho percorrido do que o ponto de chegada. Contudo, convém considerar que tanto a autoria quanto a interpretação merecem maior atenção e refletir sobre a forma como consumimos informações nas empresas e nas nossas vidas.

O estudo raso cria uma confusão inicialmente quanto à autoria da frase. Desconhecido por muitos, foi o poeta italiano Petrarcha, que viveu entre 1304 e 1374, quem publicou a frase imortalizada por Fernando Pessoa: "navegar é preciso, viver não é preciso".  Não bastasse o plágio, cabe ressaltar o uso do verbo precisar no sentido de ser correto ou exato e não no contexto de ser necessário, como erradamente tantos o fazem. Respeitando-se a originalidade do texto, precisar reflete o sentido de ser uma disciplina exata.

Quem leva um pouco adiante o estudo literário, constata que o poeta lançava uma sentença sobre a condição do homem ao mesmo tempo em que dialogava ricamente com a tradição histórica dos portugueses na exploração dos mares, podendo ser complementada pelo fato de a navegação ser uma ciência exata, em comparação com a vida, que sabemos onde começa e jamais onde termina.

Nas empresas, por sua vez, o processo criativo não se encerra na mente genial de um empreendedor capaz de gerar um produto ou serviço inédito e independente da realidade que o cerca. Cada vez mais, estudos têm detectado que grandes decisões e ideias são intrinsecamente contaminadas pelos valores de seu tempo ou, como preferem algumas consultorias renomadas, pelo contexto. Em alguns casos, ainda é possível ver que o processo criativo também abraça referências históricas mais distantes e desconstrói positivamente conceitos estabelecidos criando uma nova forma de consumo e uma nova realidade de oferta.

O processo criativo passa a depender de múltiplas interações, oriundas de múltiplos canais, pessoas, recursos e oportunidades. Precisa ser reforçado, alimentado, estimulado, enfim, construído, como um processo complexo de múltiplas variáveis. O problema disso é que as equipes estão sendo formadas por pessoas cada vez mais rasas, menos comprometidas, orientadas a tarefas. Quem decidiu particionar as funções e segmentar as áreas certamente não imaginou que ao longo do tempo criaria aglomerados de pessoas com muito conhecimento sobre quase nada dentro da empresa. As especialidades foram tão repartidas que muitos profissionais são incapazes de enxergar um processo empresarial do início ao fim ou pelo menos entender como pode beneficiar – ou prejudicar – a companhia. Quando colocados juntos, devidamente orientados por metodologias apropriadas, criam o milagre da inovação. Mas será mesmo? Tenho percebido em muitas companhias que o que ocorre em casos como esse nada mais é do que a consolidação de informações e pequenas melhorias incrementais. E muitos empresários ainda acreditam que os processos de inovação substituem a melhoria contínua e acabam dando voltas e voltas em torno de problemas simples com soluções complexas, como se a solução estivesse em uma ou outra disciplina exclusiva.

E o pior: chamam isso de inovação e acreditam estar trazendo valor para a companhia, quando na verdade estão apenas dando roupagem nova para soluções antigas e consumindo recursos com a legítima intenção de criar uma condição disruptiva internamente ou no mercado. Movimentam um elefante para fazer quase nada de prático.

As empresas precisam rapidamente remover os óculos escuros para enxergar detalhadamente o que está ocorrendo em seus corredores e, com muita, mas muita inteligência, desonerar seus profissionais de tudo o que não cria valor em suas áreas. Isso lhes dará a condição de aprofundar-se em suas funções, mergulhando em suas atividades e encontrando naturalmente novas formas criativas de interação e construção, melhorando seus processos e produtos. É isso que as empresas precisam.

Sem hipocrisia, sem desculpas, sem perdas de tempo. Porque navegar é preciso, mas inovar, não é preciso. É subjetivo, variado e depende sim, e muito, do contexto.

Reply

or to participate.